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Sejamos memoráveis

Ângela Santoro 

01.2016 | Belo Horizonte 

Fiquei deveras impressionada com a matéria sobre o trabalho de Néle Azevedo. Que coisa mais sensível criar monumentos para a efemeridade... Só mesmo os artistas para nos socorrer com a sua tradução da realidade fazendo a gente pensar um pouco mais. O mundo anda desse jeito, todos com muita pressa, digitalizados até o caroço.


Nada permanece, tudo se perde num zap. Que canseira! Talvez eu seja uma romântica tenaz, espécie em extinção, um tipo de gente que usa em seu jeep o adesivo “Até a infinitude”, outorgando-me a ilusão do eterno. 


Mas sou assim, acredito que é preciso afrontar a realidade: ninguém é obrigado a seguir a multidão. Sejamos únicos. Se é que você está me entendendo, vivemos numa sociedade de consumo, mas não precisamos nos consumir nela. Não precisamos ser como marcas. Precisamos, sim, deixar nossas marcas pelo caminho. Philip Kotler, um dos brilhantes teóricos dos mercados de consumo diz que “todos os comerciantes prestam serviços. O desafio é oferecer aos clientes experiências memoráveis.” Ele está teoricamente certo, mas na prática fica difícil colar aos produtos e serviços as emoções humanas, a cola não pega. E a realimentação necessita ser constante. Daí a existência - e a insistência - da
Publicidade.


Já com os humanos é bem diferente. A cola do consumo pega igual gripe. E vai se alastrando podendo, inclusive, chegar aos campos nobres, como ao coração, por exemplo.


Hoje é mole ver em toda parte amores consumidos, vividos na superficialidade de quem não mergulha.Tem gente amando igual faz compra! E o que é pior, vicia. Até que um dia neguinho se deprime e não sabe porque.


Olhando com absoluto destemor para tudo isso, eu não tenho nenhuma dúvida: os produtos e serviços da sociedade de consumo invejam nossa humanidade. Porque somos imperfeitos, frágeis, imprevisíveis, surpreendentes. E, portanto, memoráveis. É justamente isso que me comove no trabalho da Néle Azevedo. Ao criar obras para serem esquecidas, perdidas, efemerizadas, é ela quem se torna inesquecível. E a gente bem que podia se inspirar na artista pra viver a nossa vida. Salve-se quem puder!


© 2006 - O Q Design #26
Publicada na revista eletrônica www.oqdesign.com 

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