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Instante sacrificial

Texto de Guilherme Wisnik publicado no catálogo da exposição examples to follow! zur nachahmung empfohlen!

Os Monumentos Mínimos, de Néle Azevedo, dialogam com a longa tradição do monumento: um marco destinado a perenizar algo, perante a História, no espaço da cidade. Néle, no entanto, reverte o sentido de consagração inerente a essa tradição, e opera no registro da precariedade e do efêmero. Caminho que supõe a aceitação de que a experiência contemporânea é parcial e transitória, e não mais eterna. Ao viajar por inúmeras cidades do mundo, suas minúsculas figuras de gelo contracenam com espaços “consagrados”, instaurando uma reflexão cortante sobre o esgarçamento e a finitude, isto é, o tempo da vida e o lugar do indivíduo em meio à multidão, sob o peso da História.

Suas figuras parecem ser entidades alheias ao movimento diário das pessoas, aos apelos ordinários da publicidade urbana, e aos encantos mundanos da paisagem. Por isso, na integridade fria de sua recusa do mundo, essas figuras dão a estranha impressão de serem, de certa forma, mais reais do que os humanos, que, escuros, à contra-luz, se apagam em uma espécie de eternidade negativa. Elas, ao contrário, concentradas em seu universo interior cristalino, vivem o contínuo inflar de uma nuvem branca e embaçada dentro dos seus corpos de gelo, como uma espinha dorsal que aumenta à medida que seu contorno exterior definha. Haveria melhor tradução visual para a idéia intangível de alma?

Eis a questão subjacente ao trabalho da artista: a morte como ritual, e o luto como transcendência, isto é, possibilidade continuada de vida. Daí a sua recuperação da noção de “monumento”, cuja origem histórica está ligada aos ritos funerários e sagrados – túmulos e templos. Seus monumentos, no entanto, são mínimos. Assim, o movimento que instaura a obra vem menos da necessidade de perenizar uma memória coletiva do que uma experiência individual transitória, dada pela pura presença no instante irrepetível, como em uma cerimônia sacrificial.

Guilher Wisnik atua como professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Crítico de arte e arquitetura, é autor de livros como Lucio Costa (2001), Caetano Veloso (2005) e Estado crítico: à deriva nas cidades (2009). É membro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), da Latin American Studies Association (LASA) e vice-diretor do Centro Universitário Maria Antônia (USP).

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