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 Entrelinhas

 

Há mais de um século, a pintura a óleo divide com oready-madeo mesmo espaço expositivo, mas ainda assim elareina no imaginário coletivo enquanto qualidade supremadaquilo que define a profissão de artista. Sobretudo para quem não tem grandes interesses em artes, ser artista é sinônimo de trabalhar com pintura. Porém, pelo menos no meio das artes visuais, os contornos que definem a profissão de artista vêm cada vez mais se esvanecendo.

 

Para falar sobre o esvanecer dos contornos, Ricardo Basbaum problematizaa profissão de artista com a seguinte didática: “Quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de ‘artista-artista’; quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escreveremos ‘artista-etc.’ (de modo que poderemos imaginar diversas categorias: artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista-teórico, artista-terapeuta, artista-professor, artista-químico etc.)”.

 

Contudo, diante do sistema neoliberal em que nos encontramos, acredito que serartista-etc.é quase que sinônimo de ser artista, já que independentementeda linguagem artísticaé quase certo que esteexerça demais atividades para somar em sua economia.Dentre as atividades,faz-se notórioo grande número de artistas-professores/as, como se a educação fosse, tal qual é o espaço expositivo, um lugar capaz de recebertodes.

 

Um/a artista-professor/a muitas vezes é nutrido/ada educação, podendo esta influenciar sua prática de ateliê e vice-versa. Em algumas situações,o ato de lecionar antecede a prática artística, e não o inverso. Ser artista-professor ou professor-artista varia de caso a caso, alternando tambémde tempos em tempos. Fato é que este profissional carrega em si uma carga dupla de trabalho, quando não tripla se levarmos em consideração que as artistasmulheres seguem sendo as responsáveis pelo mantenimento do lar, ainda mais quando são mães.

 

Foi pensando nessas características quase que invisíveis da profissão de artista que Entrelinhas tomao ateliê como espaço expositivo para o agenciamento das ideias aqui postas: de um espaço que é tidocomo o verdadeirolugar do trabalho em arte. Neste caso, a exposição acontece no ateliê de Shirley Paes Leme, uma mulher e mãe que atuou como artista-professora durante quase toda sua vida profissional, lecionando em universidades e ministrando cursos livres.

 

Esvanecem também os contornos da própria ideia de ateliê, que no imaginário coletivo é tido como um espaço sagrado e quase intocável.O ateliê de Shirley Paes Leme é um espaço aberto para receber projetos de educação, exposição, residência artística, entre outras propostas. Poderíamos assim dizer: um ateliê-etc.

 

Partindo de um recorte curatorial de artistas que em algum momento de sua vida estudaram com Shirley Paes Leme, a exposição apresenta trabalhos de Artur Lescher, Azeite de Leos, Bruno Baptistelli, Bruno Dunley, Bruno Faria, Camila Moreira, Dalton Paula, Daniel Nogueira de Lima, Diego Castro, Eliane Chaud, Juliana Kase, Kokir, Marcelo Fontana, Nele Azevedo, Nino Cais, Raphael Franco, Renata Antunes, Rodrigo Cass, Thiago Honório e Valery Dantas, bem como da própria Shirley Paes Leme.Artistas que exercem ou exerceram por muito tempo outras atividades como, por exemplo, produzir tintas a óleo artesanais, lecionar na universidade,ser galerista, ser assistente de artista, coordenar grupos de acompanhamento para jovens artistas,trabalhar com design, marcenaria e montagem de exposição.

 

Sem grandes pretensões, a exposiçãobusca dar luz à dupla ou tripla jornada de trabalho desses/as profissionais da arte, que muitas vezes se encontra nas entrelinhas de suas biografias. Por fim, e não menos relevante, é preciso enfatizar a importância das relações afetivas aqui presentes, uma vez que esta exposição acontece de forma independente e sem fins comerciais. Em outras palavras, muito trabalho e afeto envolvidos!

 

Paula Borghi

http://www.bienal.org.br/post/551

CURADORIA

Paula Borghi

O silêncio do ovo_2020
Composição com cascas de ovos orgânicos usados, inspirada no conto “O ovo e a galinha” de Clarice Lispector
Dimensões: 135 x 36 x 5 cm

info exposição.convite.Entrelinhas.jpg
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