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Conexão Cultural

Entrevista com Néle Azevedo

São Paulo, 10 de dezembro de 2012

Como foi que você se interessou pelo universo da arte? Sofreu influência dos pais ou parentes?

 

Nasci no interior de Minas Gerais, em Santos Dumont, uma cidade pequena. Ali não havia um universo da arte, mas toda a vida cotidiana era fincada na experiência sensível. Construíamos nossos próprios brinquedos, costurávamos nossas rouas. Tudo era criado, inventado no dia a dia. Nada estava pronto.

 

Na adolescência ajudei a organizar a primeira biblioteca da cidade - trazia livros pra casa. Lia durante a noite pra devolver no dia seguinte. A literatura veio somar na minha vida cotidiana, ampliando a experiência do real.

 

Quando decidiu que faria da arte sua profissão?

 

Foi uma opção da maturidade. Atuei em muitos setores da sociedade, como bancária, funcionária pública, mas sempre ligada à literatura, à filosofia. Descobri a possibilidade do desenho no curso do Silvio Dworek, em seguida no curso do Dalton de Lucas e escolhi as artes plásticas como campo de atuação quando entrei na faculdade Santa Marcelina, aos 43 anos. 

 

Pelo que pesquisei, vi que você trabalha com um tipo de arte inusitada, com esculturas de gelo. Como você chegou nesta ideia, sendo que moramos em um país tropical?

Minha investigação começou em 2001 no mestrado em Artes Visuais no Instituto de Artes da UNESP. As esculturas começaram em ferro, passaram ao barro, ao gesso, resina, vidro e finalmente ao gelo. Durante três anos pesquisei materiais que pudessem acentuar a fragilidade do humano diante das cidades e das instituições que ele mesmo constrói

 

Busquei uma conciliação entre a esfera pública e a esfera privada, entre o eu subjetivo e a cidade. Encontrei nos monumentos públicos uma síntese desta minha inquietação: a celebração histórica muito longe do sujeito comum. Subverti então uma a uma as características dos monumentos oficiais diretamente ligados ao poder. A escala é mínima, daí o nome Monumento Mínimo; não há pedestal nem hierarquia, a homenagem é dirigida aos anônimos e os corpos desaparecem na cidade em uma experiência compartilhada. 

A memória fica inscrita no sujeito que viu e registrada em fotografias e vídeos. É verdade, moramos num país tropical, que está sempre em construção, com vocação para o moderno e sem tradição -  "Aqui tudo parece que ainda é construção e já é ruína"  como canta o Caetano em Fora da Ordem. 

Atuamos com o precário, com o improviso. Nesse sentido  a  matéria  gelo  ajustou-se  ao  trabalho  e  lhe  deu  suporte  poético.  

 

Você  atua  com  outras  técnicas,  como  com  o  tradicional  pincel  e  tinta,  por exemplo?

 

Sim.  Cada  trabalho  exige  um  procedimento  e  uma  técnica diferentes. Como  as  intervenções  com  o    Monumento  Mínimo  ficaram mundialmente  conhecidas  ele  acabou  por  tomar  muito  do  meu tempo e de minha produção, mas você pode conhecer  outras  intervenções e outras instalações  no  meu  endereço  na  web

 

Como se dão suas exposições? Locais fechados ou abertos?

 

Gosto muito de atuar na rua. Ela é o espaço do encontro das diferenças, o espaço  aberto, democrático.  Com o Monumento Mínimo fiz intervenções em quinze cidades: Campinas, São Paulo,  Brasília,  Salvador, Curitiba, Ribeirão  Preto,  no  Brasil  e  Paris  (França),  Havana  (Cuba), Tóquio e Kyoto (Japão), Braunschweig e Berlim (Alemanha), Porto (Portugal), Florença  (Itália), e Stavanger (Noruega).

 

Nestes lugares pude experimentar desafios espaciais novos e específicos. Por exemplo  realizar a intervenção em Portugal, teve um valor simbólico ancestral G algo como fazer  o caminho(das(Índias ao inverso: ir daqui, com a bagagem da colonização portuguesa,  carregada dos séculos, das heranças, de todas as miscigenações e levar além mar um  trabalho fundado no precário e no efêmero.

 

Em Florença  aconteceu  uma  contraposição  histórica: o  derretimento  das  pequenas  figuras  sentadas  nas  escadarias  do  edifício  Istituto( degli( Innocenti,  construído  por  Brunelleschi, na Renascença italiana – metáfora do derretimento do homem e de suas  instituições. Outra intervenção que também se contrapõe ao monumento, mas de outro modo, que  gostei muito de fazer foi “Glória às lutas Inglórias” no Pateo do Colégio em maio de  2007. Um grande desenho de  grafismo dos povos Guaranis  bem ao lado do  Obelisco  Glória Imortal aos fundadores de São Paulo,  ocupando  a mesma  área   deste,  feito  com os mais de 200 caixotes cheios de frutas pelo público local.

 

Esteiras de taboa no  meio, formando um espaço de convivência, música de pandeiro rolando, muita gente  dentro  do  desenho/labirinto,  as  frutas  foram  consumidas  em  cerca  de  quarenta  minutos. Tenho  uma  extensa  lista  de  exposições  em  galerias,  museus  e  instituições.  Gosto  mesmo do desafio que o espaço provoca porque nenhum espaço é neutro, nem o da rua nem o da galeria. Ele é sempre carregado de significados, história, relações, etc.  

 

Quanto tempo as esculturas duram?

 

As esculturas em gelo duram em média trinta minutos. Na Noruega duraram um  pouco mais: 48 minutos.

 

Por  fim, sempre perguntamos aos artistas o que eles  têm achado do  trabalho da  AUTVIS. Você está satisfeita com os serviços prestados? Pode dar a opinião que quiser.

 

Eu  recorri  a  Autvis  para  me  auxiliar  no  tema  de  direito  intelectual  do  meu  trabalho  e  fui  muito  bem  atendida.  Espero  dar  muito  trabalho pra  Autvis e  ter o mesmo atendimento.

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